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O HOMEM QUER SER DEUS

Observando a inquietação que parece afligir a maioria das pessoas, penso que a razão de assim ser é a existência, no ser humano, de uma compulsão para preencher um vazio existencial difícil de identificar.

Imagino que tal carência indica que o ser humano tem uma irresistível vocação para participar ativamente da evolução, a mesma que o trouxe desde o estado mais primário da energia-matéria até o estágio atual, em que, por ser dotado de autoconsciência e da capacidade de imaginar e lucubrar, ele se diferencia de tudo quanto o antecedeu.

Sri Aurobindo vai mais longe, ao afirmar que essa carência se deve

 “ao anseio do homem pela espiritualidade [o que] é uma indicação incontestável da íntima propensão do Espírito interior para emergir, sua insistência rumo ao próximo passo de Sua manifestação”.

Pergunto, então, como poderá o homem continuar a evoluir?  Quando satisfará anseio tão elevado? O monge sankaracarya Sri Bharati Krsna nos convida a buscarmos a resposta em nosso íntimo, pelo próprio raciocínio:

“-- Qual o primeiro anseio de qualquer pessoa, em condições normais?”

“-- VIVER!”

Moço ou velho, homem ou mulher, essa é a resposta movida pelo instinto de conservação, não é? Somente em circunstâncias anormais que superem esse instinto (sofrimento atroz, depressão, etc.), a pessoa coloca em primeiro lugar o desejo de continuar vivendo.

“ -- E a seguir, supondo assegurada a vida, o que a pessoa deseja?”

“– Quero ver, ouvir, experimentar com todos os meus sentidos e capacidade mental. Quero conhecer, quero SABER!”

A resposta é tal porque só conhecendo podemos de fato viver.

“— Bem, tendo por suposto garantidas a vida eterna e a capacidade de tudo aprender, o sujeito estará satisfeito? Aceitará toda a sorte de sensações comuns à vida, tanto as agradáveis quanto as penosas?”

Sri Bharati cita Manu, o grande legislador das escrituras da India:

“Tudo que depende de outros é sofrimento e tudo que está sob nosso próprio controle é felicidade.”

Certamente, a preferência será sempre pelas sensações que dão prazer, pois isso também é instinto (como se observa até nos animais). Em resumo, o terceiro anseio maior do homem é SER FELIZ.

“ – Então, a pessoa está feliz. Mas, continuará a se sentir assim se esses prazeres todos dependerem de alguém, a quem tenha que servir e bajular para não os perder? Não virá imediatamente o desejo de se livrar dessa dependência, não se imporá o anseio de LIBERDADE?”

“—Sim, só o que podemos controlar livremente nos garante a felicidade, logo SER LIVRE é nosso quarto maior anseio.”

“—E Isso é tudo? Vida, sabedoria, felicidade com liberdade, isso nos basta?”

“—Não, não basta, porque queremos que os outros sigam o meu caminho, que estejam de acordo com os meus desejos.”

Pode não ter lógica, mas é o que acontece conosco naturalmente. Até a criancinha, inexperiente do mundo, quer guiar seus pais, lhes dizer o que devem fazer ou não fazer  (e quem não conhece, no mundo animal, os chamados machos alfa?). O quinto maior anseio do home é o de DOMINAR.

Temos então que os cinco maiores desejos do ser humano são: vida, sabedoria, felicidade, liberdade e poder. Pensemos, agora: não há uma visível correspondência com os atributos de Deus descritos pelas religiões e filosofias, em geral? Sri Bharati nos lembra: Sat, Cit, Ananda: a eterna, sabedoria e bem-aventurança absolutas); mais, também absolutas: independência e soberania.

Devemos concluir que todos esses atributos correspondem às coisas que nós mais desejamos e que não temos; e que essas coisas são divinas em caráter e composição.

      

 Então, será que o homem quer ser Deus?

 

Isso soa como um disparate, senão como blasfêmia, não? Mas, afinal, quais são os atributos da alma, criada segundo a imagem de Deus?

Entendemos como propriedades, quer dizer, como atributos permanentes, as qualidades e características inerentes do ser, aquelas que não podem ser separadas dele. Então, devemos nos dar conta de que, por exemplo, alegria é propriedade da alma e tristeza não, pois tristeza tem uma causa exterior; de que vida é propriedade da alma e morte não, porque também a morte tem uma causa exterior; etc.

Isso nos faz compreender que a constituição da nossa alma é a mesma que nós vimos querendo obter, isto é, nossa alma tem os mesmos atributos divinos, em essência. Essa é a significação de termos sido feitos à imagem de Deus. Sendo seres humanos, nós procuramos a unidade com Deus.

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