O ESTADO DE S. PAULO
22 de
fevereiro de 2018
A OIT e a reforma trabalhista
José Pastore e Dagoberto L. Godoy
Provocados por uma denúncia da CUT,
um comitê de técnicos nomeados pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT), sem poder deliberativo, apresentou duas críticas à reforma trabalhista
do Brasil no Report of the Committee of Experts on the Application of
Conventions and Recommendations, 2018.
1. O Comitê entendeu que a
prevalência do negociado sobre o legislado, consagrada pela Lei 13.467/2017, é
contrária ao objetivo de promover negociações coletivas livres e voluntárias,
constante da Convenção 98 da OIT. Essa crítica demonstra um total
desconhecimento da realidade brasileira. A nova lei reafirmou como inegociáveis
30 direitos garantidos pela Constituição e abriu a possibilidade de se negociar
livremente 15 direitos, determinando que o negociado seja respeitado pela
Justiça do Trabalho. Trata-se, portanto, de uma inegável valorização da
negociação coletiva, como querem a citada Convenção e o artigo 7.º, XXVI da
Constituição Federal do Brasil.
2. Outra crítica foi que o Brasil
violou as Convenções 98 (de novo) e 154, que teriam por princípio admitir a
negociação coletiva tão somente para estabelecer condições mais favoráveis do
que as leis. Neste ponto, não há equívoco, e sim um erro de leitura, porque
nenhum dos artigos daquelas Convenções estabelece a exigência aludida. Mesmo
porque a expressão “mais favoráveis” é de entendimento vago e subjetivo, pois
os trabalhadores podem preferir, por exemplo, trocar o pagamento da hora in
itinere por um aumento de salário (o que, aliás, tem sido feito no Brasil, de
forma legal, e com o respaldo até mesmo do Supremo Tribunal Federal).
Enfim, os técnicos daquele Comitê
não perceberam o importante passo que o Brasil deu para o fortalecimento da
negociação coletiva, ao instalar um regime que contempla empregados e
empregadores com proteção e liberdade. Ou seja, eles continuam com a proteção
da Constituição e da CLT e ganharam a liberdade de negociar, a seu próprio
juízo, 15 direitos antes inegociáveis. Por exemplo, os que quiserem podem
negociar um horário de refeições de 30 ou 40 minutos – diferentemente do que
estabelece a CLT (60 minutos), enquanto permanecem, para os que não quiserem,
os 60 minutos garantidos por lei. É a proteção com liberdade.
Nesse sentido, a reforma
trabalhista do Brasil se assemelha à da França, realizada em 2016-17: naquele
país, a lei continua fixando em 35 horas a jornada semanal. Mas, se as partes
quiserem trabalhar 40 ou 42 horas, basta negociarem o valor da hora extra; se
não quiserem, continuará valendo a jornada de 35 horas.
É preciso esclarecer que o referido
Report expressa tão somente a opinião pessoal dos técnicos que o assinam e não
a da Organização Internacional do Trabalho e nem mesmo a da Comissão de
Aplicação de Normas da OIT, órgão, este sim, dotado de poderes para deliberar e
levar propostas ao Plenário da Conferência Internacional do Trabalho.
Acreditamos que esta comissão, por seus conhecimentos e imparcialidade, terá o
devido cuidado e evitará incorrer no erro de mal interpretar a reforma
trabalhista do Brasil. Mesmo porque, como todo organismo internacional, a OIT
está obrigada a respeitar a soberania dos Estados-membros e os seus diplomas
legais, sempre que cunhados democraticamente, tal como ocorreu com a Lei
13.467/2017, discutida em dezenas de audiências tripartites, aprovada pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, e sancionada pelo presidente da
República, nos termos da Constituição Federal.
* SÃO, RESPECTIVAMENTE: PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DE
SÃO PAULO E ADVOGADO, FOI REPRESENTANTE DO BRASIL NA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL
DO TRABALHO
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